quarta-feira, 11 de maio de 2016

As 3 Regras do Quadrinho Cearense (por Luís Carlos Sousa)



AS TRÊS REGRAS DO QUADRINHO CEARENSE

Este ano o Manicomics faz 20 anos. Para quem não sabe, Manicomics foi (talvez) o mais importante fanzine de quadrinhos da história das HQs cearenses. Durante seus anos de publicação (a qual envolvia impressão de baixo custo e distribuição relativamente regular), funcionou como uma nau desbravadora para um grupo emergente de novos autores, os quais iam do experimentalismo aos estilos clássicos com desenvoltura e comprometimento, levando-os a serem laureados três vezes com o HQ Mix, mais importante premiação brasileira da nona arte.

Apesar dos vários bons nomes que passaram pelo Manicomics, três se destacam não somente por terem sido os criadores e editores do título, mas pelo impacto que seus trabalhos tiveram na identidade e mercado de quadrinhos cearenses como um todo e que podem ser sentidos até hoje: JJ Marreiro, Daniel Brandão e Geraldo Borges. Em sua homenagem, nesse texto quero contar as histórias sobre eles que me levaram a criar as três regras do quadrinho cearense.

FAÇA PORQUE AMA: Era 2011. Eu estava participando do meu primeiro FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos) com um pequeno grupo de cearenses e, apesar de muito empolgado, me sentia um peixe fora d’água, com algumas poucas (e bobas) revistas xerocadas, enquanto outros artistas tinham livros com capas cartonadas e lombadas costuradas. O sentimento de desistência me assaltava como um saci na mata escura. Geraldo Borges chegou lá pelo segundo ou terceiro dia do evento. Ele já era relativamente conhecido, tendo participado de edições americanas de super-heróis e recebendo elogios rasgados de grandes autores. Geraldo é o típico cara que consegue agradar gregos e troianos com seu jeito ligeiro de andar e conversar e seu convidativo sorriso, como alguém cujo líquido amniótico era altamente concentrado em cafeína. Em sua primeira noite, ele encontrou um tempo para jantar conosco entre alguns layouts de página e sua procura por hospedagem. Após várias histórias divertidas sobre sua carreira, Geraldo falou (em seu primeiro momento meio sério e pensativo): “a verdade… é que não importa bem pra quem eu trabalhasse, contanto que eu fizesse quadrinhos, porque é isso que eu amo fazer”. Uma frase impactante e que ficou bem marcada em mim e me ajudou a seguir fazendo quadrinhos.

FAÇA SE DIVERTINDO: Lá por meados de 2012-2013 eu comecei a trabalhar na mesma instituição que JJ Marreiro. Trabalhávamos na área da educação e, por várias vezes, quadrinhos foram nossa pauta de conversas e sugestões de uso como ferramentas educativas. JJ tem uma vasta experiência como professor e sempre trazia algo interessante aos materiais que produzíamos. Jota é uma das pessoas mais criativas que conheço, capaz de acessar uma infinidade de ideias tão rápido como um mágico puxa lenços de suas mangas. Com o tempo eu comecei a me perguntar porque ele não colocava essas ideias debaixo do braço e seguia pra conquistar o mundo por si mesmo. Sem que eu precisasse falar o que se passava em minha cabeça, a resposta veio numa conversa informal em que ele disse: “Ah os quadrinhos que faço aqui são trabalho. Eles possuem um direcionamento e objetivos pré-definidos por outro. Quando faço MEUS quadrinhos eu sigo uma regra: eu tenho de me divertir fazendo.” Assim entendi o quanto quadrinhos era algo bem maior, pessoal e libertador para ele.

FAÇA COM PROFISSIONALISMO: Daniel Brandão foi a primeira pessoa que resolveu me dar dinheiro para que eu estivesse no mercado de quadrinhos. Ele me contratou como professor de seu estúdio e por várias vezes pediu para escrever algo para ele ou revisar seus roteiros. Daniel é o tipo de pessoa que faz o que estiver ao seu alcance para ajudar aqueles que gosta, mas ele não faz isso de maneira leviana. Eu era um grande desconhecido quando fui convidado a ser professor de roteiro do Estúdio. Tinha escrito pouquíssimos e inexpressivos roteiros, mas mesmo assim ele insistiu que o cargo deveria ser meu. Certa vez, cheio de dúvidas e com certa baixa estima, perguntei a ele a razão de ter me escolhido e prontamente respondeu: “acima de tudo o que você acredita não ter (mas que eu sei que você tem), você é profissional, e isso é essencial em nosso meio”.

Sempre que me convidam a falar de quadrinhos cearenses eu cito essas três “regras”. As pessoas que me ensinaram não são mestres incorruptíveis da nona arte, que começaram sabendo e acertando todos os passos da jornada que é viver de quadrinhos no Brasil. Os 20 anos da revista que os lançou e publicitou estão aí pra provar isso. Acima de tudo, no entanto, são pessoas que descobriram seu lugar dentro do meio e não se negaram a dividir essa descoberta com outros, por isso sempre os cito como criadores dessas lições e que margeiam minha opinião e crença sobre quadrinhos.
(Matéria publicada originalmente na RIvista edição 170. Editora RISO)


 

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